sábado, 8 de maio de 2010

ENTREVISTA DE DILMA A ISTOÉ - 2a. PARTE



QUATRO HORAS DE DEBATE
A equipe que entrevistou Dilma, da esquerda para a direita: Carlos
José Marques, diretor editorial; Luiz Fernando Sá, diretor editorial-adjunto; Leonardo Attuch,
redator-chefe da revista DINHEIRO; Delmo Moreira, editor executivo de ISTOÉ; Gisele Vitória, diretora
de redação da revista GENTE; Ricardo Boechat, colunista de ISTOÉ, Yan Boechat, editor de política;
Ricardo Amorim, colunista de ISTOÉ; Octávio Costa, diretor da sucursal de Brasília; Mário Simas Filho,
diretor de redação de ISTOÉ, e Caco Alzugaray, presidente executivo da Editora Três

"Nós fizemos e sabemos como continuar a fazer'' - Parte 2
Em entrevista exclusiva, a candidata Dilma Rousseff fala sobre o que considera a diferença básica entre a sua proposta de governo e a da oposição

ISTOÉ – O que a sr. faria diferente do atual governo?
Dilma – Nós tivemos que trocar o pneu do carro com ele andando. Algumas coisas concluímos, em outras não conseguimos avançar. Acho imprescindível, para o patamar de crescimento atingido, fazer a reforma tributária. Não é proposta, é uma exigência. Se quisermos aumentar nossa produtividade e, consequentemente, nossa competitividade, precisamos acabar com coisas absurdas como a tributação em cascata.

ISTOÉ – O governo atual também diz que tentou fazer isto.
Dilma – Não deu agora porque reforma tributária significa conflito federativo. Aprendemos que é inviável fazer reforma tributária sem compensações porque ela tem tempos diferentes. Para neutralizar o efeito negativo da perda de arrecadação, vamos criar um fundo de compensação. Este é o único mecanismo negociável.


“Depois que minha filha nasceu, tive uma gravidez
tubária. Eu não podia mais ter filho”

ISTOÉ – Os acordos políticos resultarão ainda em loteamento de cargos?
Dilma – Não. O apoio político é totalmente legítimo. Em todos os países há uma composição política que governa. O que você tem que exigir é padrões técnicos. Lutei muito para implantar isso no governo.

ISTOÉ – Está satisfeita com o que foi feito?
Dilma – Acho que podemos melhorar.

ISTOÉ – A sra. será avó, em breve. E provavelmente seu neto nascerá num hospital privado e se educará numa escola particular. Em que momento a sra. acha que o Brasil estará pronto para mudar isso?
Dilma – Quero muito que isso aconteça porque me esforcei muito para estudar numa excepcional escola pública, que era o Colégio Estadual de Minas Gerais. A gente fazia um vestibularzinho para passar ali. Era difícil. Este é o grande desafio do Brasil. Para a educação ser de qualidade, não é só prédio, laboratório, banda larga nas escolas. É, sobretudo, professor bem remunerado e com formação adequada.

ISTOÉ – Seu neto vai ter uma superavó, moderna, talvez presidente da República. Essa avó moderna também namora?
Dilma – Olha, eu não namoro atual­mente, apesar de recomendar para todo mundo. Acho que faz bem para a pele, para a alma, faz todo o bem do mundo.

ISTOÉ – Uma vez eleita, a sra. assumiria um relacionamento? A sra. casaria no meio do mandato?
Dilma – A vida não é assim, tem que se confluírem os astros...Eu não sou uma pessoa carente propriamente dita, tive uma vida afetiva muito boa, muito rica. Mas nos relacionamentos há uma variá­vel que é estratégica, que é com quem eu vou casar. Essa variável estratégica eu tenho que saber, porque assim, no genérico, isso não existe. Agora, vamos supor que a pessoa seja maravilhosa e eu esteja apaixonadíssima...


“Não sou uma pessoa carente propriamente
dita. Tive uma vida afetiva muito boa, muito rica”

ISTOÉ – A sra. está fechada para isso?
Dilma – Não, ninguém pode estar na vida. Mas para mim é uma coisa muito distante. E depende dessa variável: que noivo é esse?

ISTOÉ – Qual a sua posição em relação ao aborto? A sra. passou pela experiência de fazer um aborto?
Dilma – Eu duvido que alguma mulher defenda e ache o aborto uma maravilha. O aborto é uma agressão ao corpo. Além de ser uma agressão, dói. Imagino que a pessoa saia de lá baqueada. Eu não tive que fazer aborto. Depois que minha filha nasceu, tive uma gravidez tubária, eu não podia mais ter filho. E antes disso só engravidei uma vez, quando perdi o filho por razões normais. Tive uma hemorragia, logo no início da gravidez, sem maiores efeitos físicos.

ISTOÉ – Isso foi antes de sua filha nascer?
Dilma – Foi antes. Tanto é que eu fiquei com muito medo de perder minha filha, quando fiquei grávida. Mas todas as minhas amigas que vi passarem por experiências de aborto entraram chorando e saíram chorando. Eu acho que, do ponto de vista de um governo, o aborto não é uma questão de foro íntimo, mas de saúde pública. Você não pode hoje segregar mulheres. Deixar para a população de baixa renda os métodos terríveis, como aquelas agulhas de tricô compridas, o uso de chás absurdos, de métodos absolutamente medievais, enquanto as mulheres de renda mais alta recorrem a clínicas privadas para fazer aborto. Há muita falsidade nisto.

ISTOÉ – A sra. defende uma legislação que descriminalize o aborto?
Dilma – Que obrigue a ter tratamento para as pessoas, para não haver risco de vida. Como nos países desenvolvidos do mundo inteiro. Atendimento público para quem estiver em condições de fazer o aborto ou querendo fazer o aborto.

ISTOÉ – A Igreja Católica se opõe a isto.
Dilma – Entendo perfeitamente. Numa democracia, a Igreja tem absoluto direito de externar sua posição.

ISTOÉ – A sra. é católica?
Dilma – Sou. Quer dizer, sou antes de tudo cristã. Num segundo momento sou católica. Tive minha formação no Colégio Sion.

ISTOÉ – A sra. passou por um tratamento para curar um câncer e precisa submeter-se a revisões periódicas. O que deu sua revisão dos seis meses?
Dilma – Agora faço de seis em seis meses. Fiz há pouco, em abril, e deu tudo perfeito.Existe na sociedade e em cada um de nós uma visão ainda muito pesada sobre a questão do câncer. E isso provoca nas pessoas muita dificuldade em tratar a doença Eu tive a sorte de descobrir cedo. Estava fazendo um exame no estômago e resolveram ver como estavam minhas coronárias. Eu fui para fazer um exame de coronária e descobri um linfoma.

ISTOÉ – Como a sra. reagiu?
Dilma – A notícia é impactante. Na hora eu não acreditei, estava me sentindo tão bem. Há uma contradição entre o que você sente e o que te falam. Para combater o câncer você precisa encontrar forças em você mesma. Tem que se voltar para você, não pode, de jeito nenhum, se entregar. Depois, você combate porque conta com apoio. Eu tive uma sorte danada, recebi apoio popular. Chegavam perto de mim e falavam que estavam rezando. A gente se comove muito. E também tive apoio dos amigos, do presidente, de meus colegas no governo.


“Eu quero Neymar e o Ganso na Seleção.
Eles trouxeram alegria de volta para o futebol”

ISTOÉ – A sra. rezava?
Dilma – Ah, você reza, sim. E reza principalmente porque não é o câncer que é ruim, é o tratamento.

ISTOÉ – A sra. tem medo que o câncer volte?
Dilma – Hoje não.

ISTOÉ – Como a sra. encara a vida depois disso?
Dilma – A gente dá mais valor a coisas que costumam passar despercebidas. Você olha para o sol e fica pensando se você vai poder continuar vendo esta coisa bonita. Você fica mais alerta. Só combate isso se tiver força interna. Vou contar uma coisa. Eu não conhecia a Ana Maria Braga e um dia ela me ligou e conversou comigo explicando como tinha vencido o câncer dela, que o dela era mais difícil, diferente, e que superou. Vou ter sempre uma dívida com ela, porque, de forma absolutamente solidária e humana, ela me ligou naquele momento.

ISTOÉ – Mudando de assunto, o Lula é um bom chefe?
Dilma – Sim. O Lula é uma pessoa extremamente afetiva. Ele não te olha como se você fosse um instrumento dele. Te olha como uma pessoa, te leva em consideração, te valoriza, brinca. Ele tem uma imensa qualidade: ele ri, ri de si mesmo.

ISTOÉ – A sra. também será assim como chefe? Porque dizem que a senhora é o contrário disto, durona...
Dilma – Você não pense que o Lula não é duro não, hein. É fácil até para você cobrar, em função disto. Basta dizer: amanhã tem reunião com o Lula. Simples...

ISTOÉ – As reuniões são muito longas?
Dilma – A busca de um consenso é um jeito que criamos no governo. Algumas vezes o presidente chamava isto de toyotismo. Não é a linha de montagem da Ford, onde cada um vai olhando só uma parte. É aquele método de ilha da Toyota, porque você faz tudo em conjunto. Outra coisa é que a gente sempre discute com os setores interessados. Sabe como saiu o Minha Casa, Minha Vida? Porque nós sentamos com eles (empresários da construção civil) e conversamos. Eles criticando o que se fazia, os 13 grandes mais a Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil. Se você não fizer isso, se não for absolutamente exaustivo no debate do detalhe, o projeto não fica em pé. Na curva ele cai.

ISTOÉ – Hoje todo mundo comenta, inclusive dentro do partido, que, a partir da entrada do presidente na campanha, suas chances de vitória aumentam. A sra. traz essa expectativa também?
Dilma – Do nosso ponto de vista já é dado que o presidente participa. Nós nunca achamos que ele vai chegar um dia e participar depois. O presidente é a maior liderança do PT, a maior liderança da coligação do governo, uma das maiores lideranças do País, uma das maiores lideranças do mundo...

ISTOÉ – O fato de ter duas mulheres pela primeira vez concorrendo dará um tom diferente à campanha?
Dilma – Acho que as mulheres estão preparadas para pleitear as suas respectivas candidaturas e o Brasil está preparado para as mulheres agora. Penso que é muito importante que haja um olhar feminino sobre o Brasil. As mulheres são sensíveis e isso é uma grande qualidade. As mulheres são sensatas e objetivas até porque lidam na vida privada com condições que exigem isto. Ou você não conseguiria botar filho na escola, providenciar comida, mandar tomar banho, ir trabalhar... As mulheres também são corajosas: a gente segura dor, a gente encara.

ISTOÉ – A sra. é a favor ou contra a reeleição?
Dilma – Sou a favor. Acho muito importante.

ISTOÉ – A sra. cederia a possibilidade de uma reeleição para o presidente Lula, no caso de ele querer se candidatar em 2014?
Dilma – Ele já me disse para não responder a essa pergunta.

ISTOÉ – Até quando a sra. vai obedecer cegamente o que ele manda?
Dilma – Lula não exige obediências cegas.

ISTOÉ – A sra. acompanha futebol como o presidente Lula?
Dilma – Quero o Neymar e o Ganso na Seleção. Tenho muita simpatia pelo Ganso, aquele jeito meio desconcertado de falar. Mas gosto dos dois. Eles trouxeram alegria de volta para o futebol. Jogam de forma desconcertante e atrevida.

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